E eis que finalmente chegou a nova televisão.
O imenso sucesso de séries produzidas diretamente para plataformas de TV on-demand (Netflix e Hulu, entre outras) mostra que o modelo de TV antigo (e ainda hegemônico no Brasil) está, finalmente, com os dias contados.
Chegou a hora de definitivamente entender como deve ser essa nova TV. Resumindo, em termos de modelo de exibição e de negócio, nós saímos da TV com grade e genérica e chegamos à televisão on-demand e segmentada. A consequência estética disso já está clara: ela exige uma televisão autoral, inteligente e ousada.
Exemplo disso é a nova tendência de fazer novas temporadas de obras antigas. O que pode parecer esgotamento criativo é, na verdade, um exemplo do que é a nova televisão. Séries que foram canceladas no antigo modelo de televisão se tornam imensos sucessos no novo modelo. O primeiro caso foi “House of Cards”. Depois veio “Arrested Development”. Agora, já estão anunciadas novas temporadas de “Heroes”, “Arquivo X” e “Twin Peaks”.
Todos, é claro, seriados que sempre tiveram alta qualidade. Mas seriados que, com exceção de “Arquivo X”, não conseguiram se sedimentar por muitos anos na grade. Por quê? Justamente, pois ainda havia grade, coisa que obrigava todos a ver o programa ao mesmo tempo. Algo que já acabou. Agora é menu. Justamente, porque eram programas inovadores e não conseguiram, na época, grandes audiências. Agora eles são convocados para ressurgirem na nova televisão.
Não se trata de esgotamento criativo. Ao contrário! É a nova televisão que está se firmando. A antiga televisão só media o sucesso por audiência instantânea e absoluta. É o que chamamos de Ibope (apesar do Ibope medir outros índices). Mas a nova TV usa outros critérios. Um deles é a quantidade de fãs fieis ao programa. O programa pode não alcançar mais alta audiência genérica. Mas tem uma pequena quantidade de fãs dispostos a pagar assinatura de um serviço de vídeo por demanda apenas porque esse programa esta lá. Isso é fundamental para o sucesso de uma plataforma de vídeos on-demand. E para canais como a HBO, que são baseados em assinantes. O sucesso agora é medido também pela influência da série em influir na decisão do usuário de assinar um serviço. Você vai escolher entre Netflix ou Hulu? Essa é a verdadeira questão. Uma série que tem um milhão de fãs realmente fieis pode valer mais do que uma obra genérica que não quer desagradar ninguém e assim agrada a todos mais ou menos. Para medir Ibope genérico, o importante era não desagradar ninguém. Na antiga TV genérica (que até hoje ainda manda no modelo brasileiro), o objetivo era esse: não desagradar ninguém. Basta ver os debates antigos que acontece sempre que uma novela da Globo tenta inovar. Isso ainda é modelo antigo. Agora o sucesso é agradar realmente alguns. Por quê? No on-demand não tem mais isso de ser mais ou menos. O sucesso não é agradar a todos um pouquinho. Agora, o público tem poder real de escolha. E só escolhe o que realmente quer. Ninguém assiste o que gosta mais ou menos. Você só assiste mesmo o que você ama! Na nova televisão, o que agrada a todos mais ou menos é fracasso. Agora, é melhor você agradar realmente alguns. Agora, é paixão. É fã. É heavy user.
Outra característica da nova televisão é que o que faz sucesso é ser autoral. O que antes era temido, agora é o sucesso. O novo lema é “Ame-me ou ignore-me”. Ninguém é mais obrigado a odiar nada, pois num mundo sem grade fixa, só entra em sua televisão o que você clicar. E a autoria se torna a marca de estilo, o que realmente é o diferencial para conquistar fãs.
Veja o desafio de fazer uma nova temporada de uma série antiga. Imagine-se fazendo a nova temporada de “Twin Peaks”, 30 anos depois. É uma radicalização do desafio que qualquer seriado passa em sua nova temporada. Resumindo: um seriado tem que ser totalmente diferente, sendo sempre a mesma coisa.
Ou seja, muda o enredo. Mas continua o tom e a estética da série. Isso é padrão de todas as séries. No caso de séries que voltarão a ser filmadas anos depois, isso se amplia. Pode até mudar os atores todos. E/ou eles terão outra idade. Mas o que tem que ser mantido é o que realmente fidelizou o público: o modo de contar a história. Sua forma. Sua estética no sentido mais puro: forma em relação com a recepção. Isso é o DNA da série. O desafio é manter a autoria.
Fica cada vez mais claro que o diferencial de uma série é a autoria. O estilo. A televisão começa a se sedimentar como uma arte de autores.
E, enquanto isso, no Brasil, ainda estamos discutindo a audiência de 0,5 ou 0,6 pontos dos canais por assinatura.
O fato é que nem sempre o capitalismo é realmente ágil.
Por Newton Cannito